11 de maio de 2010

13 de Maio: Abolição inacabada


Por Willian Luiz da Conceição


A Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353), sancionada em 13 de maio de 1888 foi a ultima de várias que a precederam, como a Lei Eusébio de Queiros de 1850, Lei do Ventre Livre de 1871 e a Lei do Sexagenário de 1885. Com o fim do tráfico negreiro em 1850, entramos em um processo quase que inevitável de fim do trabalho escravo no país (que culminou na abolição), influenciado em grande escala por pressão internacional, pelas milhares de revoltas escravas, quilombos e mais tarde por grupos abolicionistas.

Esta transformação no cenário internacional, em que o Brasil foi o ultimo país a se inserir, é parte das modificações econômicas dos países “independentes”, da busca de fortalecimento dos mercados internos e da abolição de formas pré-capitalistas de economia, que só poderiam ser levadas a cabo pelo 'trabalho livre'. A escravidão no Brasil foi a base da estruturação econômica e de acúmulo primitivo de capital capaz de desenvolver mais tarde a economia industrial.

Foi o escravo negro, a massa substancial da força de trabalho durante aproximadamente quatro séculos, capaz de acumular as riquezas para construirmos um país. Foram milhões de africanos seqüestrados em todas as partes da África, de Moçambique, passando pelo Congo, Nigéria, Guiné, Sudão, Angola, entre outras, que formaram este contingente humano.

Após a abolição, pouco foi revisto da condição dos afro-descendentes, continuamos a ser a parte miserável da sociedade brasileira, lançados na marginalidade, sem trabalho digno, educação, infra-estrutura. Coube ao negro ocupar as periferias dos grandes centros urbanos. Não é por acaso, que os locais mais afetados pelas catástrofes que varreram o Rio de Janeiro neste ano foram locais onde a maior parte de seus habitantes são negros, como o Morro do Bumba em Niterói, construído em cima de um lixão. A abolição foi incapaz de integrar e estruturar o negro na sociedade. O negro no Brasil, de capitalismo dependente, acarretou duplo preconceito e segregação: de classe e de raça. Poucos negros conseguem superar estás condições e barreiras impostas pela sociedade.

A imagem construída do negro nas ciências sociais, na literatura e nas artes, por séculos nos transformou e concedeu-nos o estereótipo de exótico, feio, marginal, patológico e parte inferior da população. Assim negando o negro como pessoa humana e sujeito histórico que construiu comunidades alternativas ao sistema econômico da sociedade colonial escravista, como Palmares e outros quilombos que ficaram na história, e os que ainda resistem.

O Brasil mestiço e multi-étnico, que ronda nosso imaginário, tem por trás o maior exemplo das diversas formas de preconceito e de segregação que podem existir. Na obra do espanhol Modesto Brocos, intitulada 'Redenção de Cã', é retratada a salvação dos descendentes de Cã, filho mais jovem de Noé. Cã é pai do servo Canaã, “que seria a origem dos camitas e dos demais povos da raça negra, todos destinados à servidão, segundo visões largamente difundidas à época”.

Este quadro representa a forma que esses povos utilizaram para alcançar o perdão e quebrar a maldição de serem negros – a mestiçagem. Retrata uma avó negra, uma filha mestiça, um pai de tipo ibérico deste processo nasce uma criança branca. A teoria do intercruzamento entre brancos e negros levaria a um branqueamento da população, onde os negros já não existiriam. Este foi o discurso muitas vezes apresentados pela elite brasileira a nível internacional, expondo o grande exemplo brasileiro de democracia racial. Com essa teoria, no século XX acreditavam que em 2010 já não existiriam negros sobre o solo brasileiro. Seríamos mestiços e com contato mais acentuado com europeus chegaríamos ao branqueamento. Infelizmente, para muitos, isso não ocorreu.

Isso tudo para que possamos avaliar criticamente o processo de libertação dos escravos e a situação de seus descendentes. Quais as verdadeiras mudanças que ocorreram na sua condição estrutural nestes muitos anos? E por que são os negros homens, mulheres e crianças os com piores trabalhos, pior acesso a educação, a saúde, a moradia digna e segurança?

Estes fatos nos leva acreditar que a abolição foi insuficiente e inacabada, forçando-nos a continuar lutando por nossos direitos, assegurados hoje meramente no âmbito das leis.



Indicação de Leituras sobre o tema:



Clóvis Moura. Os quilombos e a rebelião negra; São Paulo: Brasiliense, 1981.

Clóvis Moura. Rebeliões da Senzala; São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1981.

Clóvis. As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira; Belo Horizonte: Oficina do livro, 1990.


Manoel Bonfim. O Brasil nação: realidade da soberania brasileira; Rio de Janeiro; Francisco Alves, 1931.

Roger Bastide e Florestan Fernandes. Brancos e Negros em São Paulo; São Paulo; Companhia Editora Nacional; 1971.


Zilá Bernd. O que é negritude; São Paulo; Brasiliense; 1988.



Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História da UDESC, pesquisador da temática de afro-descendência e militante do PSOL Santa Catarina.
ligaspartakus@gmail.com

Semana de protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em Florianópolis


A Frente de Luta pelo Transporte Público convoca toda população de Florianópolis a se manifestar contra esse aumento abusivo nas passagens de ônibus decretado pela prefeitura. Atendendo mais uma vez aos interesses dos donos das empresas de transporte, em detrimento dos interesses da população, que sofre todos os dias comum serviço caro e de péssima qualidade, a prefeitura nos mostra mais uma vez que somente através da organização e dos protestos de rua poderemos vencer e conquistar melhorias significativas no transporte.


Após duas grandes reuniões e um vitorioso ato realizado na sexta-feira, antecipando ao aumento, chegou a hora de mais uma vez ocuparmos as ruas da cidade com grandes manifestações e muita criatividade.

Durante a semana, dois grandes atos centrais irão marcar a luta: na segunda, com encenação da abertura da “caixa preta” do transporte; e na quinta, com o enterro do atual sistema de transporte coletivo. Ambos os atos se concentrarão a partir das 17h em frente ao Ticen.


Além dessas duas grandes manifestações, atos descentralizados em diversas regiões da cidade ocorrerão ao longo da semana, em especial na segunda e na terça. Na quarta, a partir das 11h30 em frente ao Ticen um ato de chamada para a grande manifestação de quinta-feira irá ser realizado, com assembléia de rua e intervenções artísticas.


Chamamos toda população a participar das manifestações e integrar ativamente esta luta, organizando atividades e protestos nos bairros, escolas e locais de trabalho. Seguiremos firmes nas ruas de Florianópolis, até a tarifa baixar!


Contra o aumento das tarifas do transporte!Por um transporte público, gratuito e de qualidade para o conjunto da população!Resistir até a tarifa cair!


Florianópolis, 07 de maio de 2010.

Frente de Luta pelo Transporte Público

6 de maio de 2010

O debate das cotas raciais


Por Willian Luiz da Conceição

O debate das ações afirmativas para negros permeia a discussão política e social no Brasil. Está temática dividi a todos dentro ou fora das universidades. Este debate recorre a um período triste de nossa história e que deixou no país traços ainda hoje sentidos na realidade brasileira.

Compreender as cotas raciais como uma medida necessária, complexa, momentânea e assistencial representa um amadurecimento da consciência de entender que a história de um país escravocrata ainda pesa sobre nós.

Historicamente várias medidas foram criadas pelo Estado para diminuir as desigualdades construídas a partir das dominações especificas, contra grupos sociais. Podemos citar as ações afirmativas para mulheres como o tempo inferior de trabalho para aposentar-se, que ao longo do tempo se constituiu como um direito assegurado por sua luta.

Está medida foi “entendida” como necessária pela sociedade brasileira por compreender que estás sempre foram tratadas como objeto de cunho sexual, material e de fetiche em um país desde sempre machista, além das suas condições essenciais de mãe...

O negro ao longo da sua trajetória foi discriminado, explorado e teve sua dignidade humana negada por quase quatro séculos, com isso tornou-se a parte mais pobre em uma sociedade que mesmo com a mestiçagem não aboliu o preconceito e a discriminação.

Segundo vários historiadores e sociólogos como Florestan Fernandes, o negro pobre possui dupla barreira a ultrapassar, barreiras que tornaram o negro não somente vítimas das desigualdades mas que afetou sua própria auto-estima, percebível no preconceito das piadas contra sua cor, cabelo e intelectualidade. O debate das cotas não representa um debate sobre capacidade humana, mas de oportunidade negada.

Sinônimo de igualdade não é tratar iguais aqueles que são iguais, mais diferentes aqueles que tiveram trajetórias diferentes.

Talvez a maior contribuição das cotas no Brasil seja a de levantar a discussão de quem tem acesso a universidades (apesar que não nega a necessidade de melhoria da educação ampla) e principalmente em desconstruirmos o imaginário de um país de uma suposta democracia racial.

Willian Luiz da Conceição é acadêmico de história e pesquisador da temática de afro-descendência.

ligaspartakus@gmail.com