24 de abril de 2009

EUA apostam na ‘cooptação’ e nos discursos pela paz para reforçar imperialismo

Escrito por James Petras

Os estrategas militares do Pentágono reconheceram que sofreram derrotas políticas, com consequências estratégicas nas suas recentes invasões militares do Iraque e do Afeganistão. O apoio militar dos EUA às invasões israelenses do Líbano e de Gaza, a ocupação etíope da Somália, apoiada pelos EUA, as tentativas de golpes na Venezuela (2002) e na Bolívia (2008) também não conseguiram derrotar os regimes populares no poder. Pior ainda, as redes nacionais civis, familiares, comunitárias e nacionais reforçaram os movimentos anticolonialistas fornecendo apoio logístico essencial, informações, recrutamento e legitimidade.

Os estrategas do Pentágono, reconhecendo as bases sociopolíticas dos seus fracassos, viraram-se para cúmplices voluntários no mundo acadêmico para fornecerem informações, sob a forma de relatórios etnográficos, de povos selecionados, e táticas e estratégias a fim de dividir e destruir fidelidades locais e nacionais. O Pentágono está contratando cientistas sociais para traçarem 'mapas sociais' a fim de identificar líderes e grupos suscetíveis de serem recrutados para o serviço do império. Por exemplo, a 'pesquisa de campo' acadêmica contratada pelo Pentágono pretende demonstrar como as práticas e os rituais religiosos tradicionais podem ser manipulados para facilitar a conquista imperial através da guerra cultural que desencoraje os povos subjugados de apoiarem os movimentos de libertação nacional. Em vez de confrontar o ocupante imperial com o objetivo de restabelecer a soberania nacional, as estratégias de 'guerra cultural' orientam a população a se concentrar em "problemas locais'. Estes são alguns dos 'projetos de investigação' financiados pelo Pentágono a que se dedicam os 'acadêmicos de uniforme'.

O Pentágono está profundamente empenhado nesta estratégia militar-acadêmica de construção do império, atribuindo-lhe verbas de quase 100 milhões de dólares para a contratação de colaboradores acadêmicos e para o financiamento de múltiplos projetos de 'pesquisa' em todo o mundo contra estados, movimentos e comunidades selecionados.

A 'Iniciativa de Investigação Minerva' (MRI)

O maior, embora não seja o único, dos programas de pesquisa para a construção do império, financiados pelo Pentágono, nas ciências sociais, tem o codinome Iniciativa de Pesquisa Minerva (MRI). A MRI contrata grande número de acadêmicos nos seus habituais bordéis acadêmicos prestigiados, incluindo os chulos acadêmicos veteranos e neófitos ambiciosos entre os assistentes de pós-graduação e graduados. Estes 'estudiosos para o império' estão atualmente empenhados em pelo menos catorze projetos. O dinheiro da MRI foi buscar nas universidades um amplo sortido de psicólogos, cientistas políticos, antropólogos, economistas, professores de estudos religiosos, especialistas de relações públicas, economistas do trabalho e até mesmo físicos nucleares do MIT, Princeton, Universidade da Califórnia em San Diego e da Universidade Estadual do Arizona, entre outras. Esta generosidade do Pentágono constitui o que a Science (30/Jan/2009, p. 576) (revista oficial da Associação Americana para o Progresso da Ciência) chama de 'um banquete para uma área habituada a viver de migalhas".

Todas as regiões e grupos especificamente selecionados para a ‘pesquisa acadêmica do Pentágono' estão presentemente em conflito com o império dos EUA ou com o seu aliado israelense e incluem o sudoeste asiático, a África ocidental, Gaza, a Indonésia, o Oriente Médio. O parâmetro ideológico do Pentágono, que define a MRI, é a "guerra contra o terrorismo" ou as suas 'Operações de Contingência Ultramarina', o novo fac-simile com o presidente Obama.

A MRI tem um interesse especial em acadêmicos que podem visar a área das organizações e atividades muçulmano-árabes, a fim de estudar e desenvolver métodos para "difundir e influenciar o discurso muçulmano contra-radical". Por outras palavras, a MRI está contratando pesquisa acadêmica, que irá permitir que o Pentágono penetre nas comunidades muçulmanas, coopte os líderes e os transforme em colaboradores imperialistas.

A MRI não é um mero mecanismo de "poder leve" (soft power) – uma batalha de idéias –, envolve acadêmicos americanos nalguns dos aspectos mais brutais de guerra colonial. Por exemplo, as Equipes de Terreno Humano, financiadas pelo Pentágono, que operam no Afeganistão, estão profundamente mergulhadas na identificação e interrogatório/tortura de suspeitos combatentes da resistência, simpatizantes civis e membros de grandes famílias e clãs. Um professor de psicologia contratado pela MRI com antigas ligações às operações contra-insurreição do Pentágono está profundamente envolvido no "estudo de emoções em alimentar ou reprimir movimentos motivados ideologicamente". Operações de ocupação dos serviços secretos têm estado profundamente envolvidas em "fomentar" a hostilidade entre as comunidades xiitas e sunitas no Iraque, no Líbano, no Irã e no Afeganistão. As torturas e as técnicas de interrogatórios duros, utilizadas no Oriente Médio e no Afeganistão, baseiam-se em estudos acadêmicos e vulnerabilidades culturais e emocionais dos muçulmanos e são utilizadas pelos interrogadores militares americanos e israelenses para "quebrar" ou provocar profundos esgotamentos mentais nos ativistas anti-ocupação (repressão de movimentos ideológicos).

Esta versão contemporânea do Dr. Strangelove, com a sua versão de fórmulas contra-insurreição imediatas, cozinhadas por uma rede mundial de acadêmicos de uniforme pode envenenar o ambiente acadêmico – de modo muito semelhante ao que o Professor 'Bermans' no estado do Michigan, MIT, Harvard, e noutros locais desenvolveu técnicas para investigar e destruir missões contra movimentos de base durante a Guerra do Vietnã. O perigo e a atração para os acadêmicos do financiamento do Pentágono é especialmente agudo atualmente, dada a depressão econômica e a imagem pseudo-progressista do regime Obama. As operações de salvamento da Wall Street e a queda do mercado de ações dos EUA têm reduzido as dotações às universidades, o que provoca fortes reduções nos orçamentos acadêmicos, salários e fundos para pesquisa, especialmente na pesquisa não relacionada com os militares ou com os negócios. O discurso duplo do regime de Obama que fala de paz e aumenta os orçamentos militares, reforçando as tropas no sudoeste da Ásia e alargando as sanções ao Irã, pode levar os acadêmicos a justificar estas últimas citando as primeiras. Para arranjar recrutas acadêmicos para o estábulo da MRI, o Pentágono organizou um seminário em agosto de 2008, sob a fachada ideológica de "total abertura e estrita adesão à liberdade e integridade acadêmica". Subseqüentemente o Pentágono afirmou ter recebido 211 pedidos de acadêmicos procurando um lugar na gamela imperialista.

Apesar da afirmação do Pentágono sobre o êxito da contratação de acadêmicos, há sinais contrários que aparecem no mundo acadêmico, principalmente à luz dos altamente publicizados raptos, torturas e interrogatórios de milhares de muçulmanos e ativistas em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos, feitos por Forças Especiais.

Fora da extrema-direita tem havido uma ampla relutância entre acadêmicos em se associarem a um governo identificado com os abusos nas prisões de Abu Ghraib e de Guantánamo, à destruição das proteções constitucionais dos EUA e às guerras coloniais de ocupação.

Mesmo no caso em que poderosos acadêmicos pró-Israel e grupos de pressão tiveram êxito em conseguir a demissão de professores muito conhecidos por serem críticos do estado hebreu, estas purgas vingativas foram contestadas abertamente por muitos professores em todo o país, incluindo várias dezenas de acadêmicos judeus. Mais recentemente, centenas de intelectuais e pesquisadores nos EUA, no Reino Unido e no Canadá, horrorizados com os crimes israelenses em Gaza, apelaram às universidades para boicotar as instituições acadêmicas e os indivíduos israelenses que colaborem com as Forças de Defesa de Israel e com o Mossad para a destruição das instituições palestinas, e em especial o bombardeio de universidades em Gaza.

Intimidação

O grupo de acadêmicos com princípios, críticos da política de Israel e dos EUA, acadêmicos distintos que desafiaram substancialmente o império através da sua pesquisa e publicações, não está livre da retaliação destinada a desencorajar outros intelectuais. Um caso recente é a suspensão do epidemiologista médico, Dr. Gilbert Burnham da Escola de Saúde Pública Bloomberg, da Universidade John Hopkins. O Dr. Burnham foi repreendido publicamente e suspenso da direção de qualquer pesquisa envolvendo 'pessoas humanas' por cinco anos por causa de 'quebras éticas de confidencialidade' (Science, 06/março/2009, vol. 323, p. 1278). Estas 'violações éticas' referiam-se à sua co-autoria do primeiro estudo epidemiológico rigoroso de larga escala sobre a mortalidade no Iraque durante a invasão e ocupação americana. Estudos locais exaustivos em todo o Iraque chegaram à conclusão de que morreram mais de 600 mil civis iraquianos de morte violenta entre a altura da invasão americana em março de 2003 e o verão de 2006. Os resultados deste estudo sobre a morte e destruição induzidas pela guerra, publicados na prestigiada revista médica Lancet em Outubro de 2006, foram desmentidos por um Pentágono furioso, mas confirmados por estudos subseqüentes. As chamadas 'violações éticas' referiam-se a uma questão técnica menor: a codificação incompleta de alguns dos nomes das famílias iraquianas entrevistadas nas folhas de inquérito de língua árabe.

Para instituições imperialistas, como a Universidade John Hopkins, a utilização do falso pretexto de 'proteção da privacidade' de centenas de milhares de mortos sem nome numa guerra americana de agressão, para punir um distinto epidemiologista, é o mesmo que enviar uma mensagem de intimidação a intelectuais para que se abstenham de documentar as conseqüências genocidas de guerras imperialistas sobre um povo colonizado. Ao punir publicamente o Dr. Burnham com base nestas acusações idiotas, o Pentágono-Universidade John Hopkins estão enviando uma clara mensagem aos demais para não investigarem e revelarem os reais custos humanos da construção do império militar. Uma coisa é certa: as identidades dos que foram torturados ou expropriados com base nas políticas desenvolvidas pelos 'acadêmicos' Minerva patrocinados pelo Pentágono vão manter-se certamente 'confidenciais' – e muito provavelmente escondidas nas sepulturas em massa.

O fato de a Escola de Saúde Pública Bloomberg ter imposto um castigo tão extraordinariamente pesado sobre um dos epidemiologistas da sua própria faculdade, por causa de um erro técnico metodológico (o procedimento habitual é uma repreensão em privado), e o fato de as sanções terem merecido a maior divulgação pública, indica a natureza fortemente política de todo o processo. O que não é claro é se os benfeitores financeiros da Escola Bloomberg (juntamente com sua agenda do Oriente Médio) tiveram uma palavra a dizer nesta decisão punitiva.

Podemos esperar que o regime Obama, com a sua retórica 'mísseis para a paz' e imagens populistas, proporcione uma cobertura para o recrutamento do Pentágono de acadêmicos liberais a fim de 'trabalhar para uma mudança a partir de dentro'. Desmascarar o papel da Iniciativa de Pesquisa Minerva do Pentágono como parte integrante da escalada militar de Obama é uma missão para todos os acadêmicos que se opõem à construção do império e que apóiam a reconstrução duma república americana que endossa os direitos internacionais da autodeterminação.

James Petras é sociólogo, nasceu em Boston a 17 de janeiro de 1937, de pais gregos, originários da Ilha de Lesbos. Publicou mais de sessenta livros de economia política e, no terreno da ficção, quatro coleções de contos.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12990

Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info.

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